a morada da dúvida e da certeza é na contradição.

O texto do agora:

Moravam em mim. Se me perguntassem onde mora a certeza e a dúvida, eu diria que dentro de mim. Isso porque, ao mesmo tempo que eu necessito das certezas mais concretas, eu cultivo as maiores dúvidas dentro de mim.

Desde sempre. Ao me questionarem desde quando elas moram aqui, dentro de mim, eu diria que desde que nasci. Eu sinto uma necessidade enorme de saber que tudo está dentro dos conformes e que as coisas vão sair do jeito que devem. Contrastando essa necessidade, aqui dentro tem uma enorme maré de dúvidas que insistem em me assombrar.

Prefiro as certezas. Interrogam-me: qual delas eu prefiro? Não hesito em dizer que as certezas. Mas eu estou bem consciente de que uma vida de certezas é praticamente impossível, visto a fragilidade dos acontecimentos que nos cercam. Tudo é incerto. "Mas a morte é a única certeza que temos" e mesmo assim ninguém sabe dizer ao certo o que acontece após a morte - se é que, de fato, acontece algo - mais uma dúvida.

Aprendo com a vida. Se me perguntassem como eu faço para lidar com essa ambiguidade sentimental, eu diria que tento aprender com os sentimentos. "Racionalização" - alguns diriam. Não deixa de ser. Eu sempre possuí essa tendência "pseudo mortal" de racionalizar tudo. Não me levou a lugar algum, pelo contrário, evitou muitas coisas na minha vida. Mas essa tendência faz parte do lado que procura certezas, que gosta de pisar em chão certo e que não gosta de voar. Enquanto que correr riscos pertence ao lado das dúvidas, das incertezas e perguntas que me assombram.

Equilíbrio. Qual o caminho da vida? Eu diria que é o mais equilibrado possível. Conviver com as dúvidas e os riscos, mantendo as suas próprias certezas ao lado. Também diria que é o caminho mais difícil deles. É muito mais fácil se deixar levar pelas dúvidas, por inteiro, ou então se firmar nas certezas, como eu faço. Saber equilibrar esses dois lados é a maior lição que o tempo traz.

O texto do ontem: 

Acho que vivi dois lados extremos na minha vida, mesmo com pouco tempo de experiência. Já me deixei levar por muitas perguntas, acreditando apenas que a vida se ajeitaria em responder, algum tempo depois. Arrisquei, cometi erros e fui vulnerável, deixando que os sentimentos me guiassem. O tempo passou e os erros foram me consumindo, me diminuindo. Mudei a estratégia: passei a me firmar nas certezas, nas convicções, no dito e no fato. Os erros diminuíram, não nego. Mas as experiências, também. Deixei de viver muitas coisas por evitar a vulnerabilidade. 

Era como uma droga: eu precisava da certeza para seguir em frente, ou preferia ficar parada. "Para que se mexer e dar um passo em falso? Prefiro ficar imóvel, porém firme." E se não tivesse essa certeza, estampada em meu caminho, eu me desesperava, exatamente como a abstinência. E mesmo com os infinitos conselhos "deixa-se levar", eu me cegava perante a tudo e só queria minhas certezas de volta.

O texto da transição: 

Deixei de dar muitos passos devido a essa necessidade de afirmações concretas. Foi quando eu percebi que estava estacionada, estacionada na minha própria vida. E vi que, na vida, tudo é mutante. A única constante é a mudança. Essa não para, nunca. Se muda positiva ou negativamente, é questão de opinião. A mudança não mora em ninguém, ela é viajante. Ela é exploradora. Ela chega, perguntando se é bem recebida, como uma verdadeira dama; mas vai embora sem se despedir. Não quer saber se fez bem ou mal, simplesmente fez. Diferente da certeza, que está lá - intacta. Eu diria que a mudança é a irmã mais responsável da dúvida. A dúvida também se move, mas se ficar para sempre, anda em círculos e não leva a lugar algum.

O texto do amanhã:

Eu recebi a visita da mudança na minha morada. Hesitei em abrir a porta. A dúvida e a certeza moram aqui, há tanto tempo e se revezam, de maneira tão aleatória, que fiquei com medo de deixar a mudança se apossar delas. Se eu abandonar a dúvida, como errarei de novo? E se eu abandonar a certeza, ficarei instável e vulnerável, novamente? Vi que permitir a mudança é o caminho para o equilíbrio entre dúvida e certeza: é permitir ter novas certezas e permitir fazer novos erros. A mudança traz novos aprendizados. Eu percebi que, para mim, vale muito mais a pena deixar a dúvida e a certeza desabrigadas do que mantê-las protegidas aqui dentro. Mas eu sei que a mudança não vai ficar... ela vai e volta, como todo turista que se apaixona por um lugar. 

Agora, essa casa aqui está vazia, mas já tem um dono.

Sem dar nenhuma dica, eu posso dizer que fica perto do mar
É uma casa que foi o lar de um amigo meu
Sem dar nenhuma dica, você encontrará navios dentro de garrafas quando o jardim tiver crescido demais. A casa é branca, mas a tinta está descascando.
Eu não sabia se você iria querer, mas eu vim buscar você
Você nem ao menos hesitou. E agora eu e você estamos a caminho
Acho que comprei tudo o que precisamos, não olhe para trás, não pense em todos os lugares onde deveríamos ter ido. É muito bom que você veio comigo.
Ouro na brisa do verão. Você brilhará como ouro na brisa do verão.
(Gold in the air of summer - Kings of Convenience, sendo sempre a trilha sonora da minha vida)

P.s.: Ironicamente, revivi o blog em pleno dia de finados.